Sabemos Escrever

Os alunos têm muito a dizer. Eis aqui mais um espaço para que suas idéias circulem...

11.2.09

desabafo de uma mulher moderna

São 6:00h...O despertador canta de galo e eu não tenho forças nem para atirá-lo contra a parede...Estou tão cansada... não queria ter que trabalhar hoje...Queria ficar em casa, cozinhando, ouvindo música, cantarolando, até... Se tivesse filhos, gastaria a manhã brincando com eles, se tivesse cachorro, passeando pelas redondezas... Aquário? Olhando os peixinhos nadarem...Se eu tivesse tempo... gostaria de fazer alongamento...Brigadeiro... Tudo menos sair da cama e ter que engatar uma primeira e colocar o cérebro pra funcionar.Gostaria de saber quem foi a mentecapta, a infeliz matriz das feministas que teve a estúpida idéia de reivindicar direitos de mulher... queria saber PORQUE ela fez isso conosco, que nascemos depois dela... Estava tudo tão bom no tempo das nossas avós... elas passavam o dia a bordar, trocar receitas com as amigas, ensinando-se mutuamente segredos de molhos e temperos, de remédios caseiros, lendo bons livros das bibliotecas dos maridos, decorando a casa, podando árvores, plantando flores, colhendo legumes das hortas, educando as crianças, frequentando saraus...ENFIM, a vida era um grande curso de artesanato, medicina alternativa e culinária.Aí vem uma fulaninha qualquer que não gostava de sutiã nem tão pouco de espartilho, e contamina várias outras rebeldes inconsequentes com ideias mirabolantes sobre "vamos conquistar o nosso espaço"!!! Que espaço, minha filha???Você já tinha a casa inteira, o bairro todo, o mundo aos seus pés. Detinha o domínio completo sobre os homens, eles dependiam de você para comer, vestir, pra tudo!!! Que raio de direitos requerer ? Agora eles estão aí, são homens todos confusos, que não sabem mais que papéis desempenhar na sociedade, fugindo de nós como o diabo foge da cruz...Essa brincadeira de vocês acabou nos enchendo de deveres, isso sim. E nos lançando no calabouço da solteirice aguda. Antigamente, os casamentos duravam para sempre, tripla jornada era coisa do Bernard do vôlei - e olhe lá, porque naquela época não existia Bernard do vôlei.POR QUE ???..me digam POR QUE um sexo que tinha tudo do bom e do melhor, que só precisava ser frágil, foi se meter a competir com o macharedo? Olha o tamanho do bíceps deles, e olha o tamanho do nosso. Tava na cara que isso não ia dar certo!!! Não aguento mais ser obrigada ao ritual diário de fazer escova, maquiar, passar hidratantes, escolher que roupa vestir, e que sapatos combinar, que acessórios usar... tão cansada de ter que disfarçar meu humor, que sair sempre correndo, ficar engarrafada, correr risco de ser assaltada, de morrer atropelada, passar o dia ereta na frente do computador, com o telefone no ouvido, resolvendo problemas que nem são meus!!! E como se não bastasse, ser fiscalizada e cobrada (até por mim mesma) de estar sempre em forma, sem estrias, depilada, sorridente, cheirosa, com as unhas feitas, sem falar no currículo impecável, recheado de mestrados, doutorados, e especializações (ufffffffffffffffffff!!!!!!!). .Viramos super mulheres e continuamos a ganhar menos do que eles... Não era muito melhor ter ficado fazendo tricô na cadeira de balanço?CHEGAAAAAAA!!!... eu quero alguém que pague as minhas contas, abra a porta para eu passar, puxe a cadeira para eu sentar, me mande flores com cartões cheios de poesia, faça serenatas na minha janela... ai, meu Deus, já são 7:30,tenho que levantar!...,E tem mais, quero alguém que chegue do trabalho, sente no meu sofá, coloque os pés pra cima e diga "meu bem, me traz um cafezinho, por favor?", descobri que nasci para servir. Vocês pensam que eu tô ironizando? To falando sério! Estou abdicando do meu posto de mulher moderna.... Troco pelo de Amélia. Alguém se habilita?

O pássaro e o Gato - uma parábola

Era uma vez um pássaro que só tinha uma vida. Ele era feliz. Vivia voando de um lado para outro. Procurava seu alimento, cantava maravilhosamente e se divertia na praça onde vivia. O que ele mais gostava de fazer era encantar as crianças com seu canto. Elas paravam na praça para ouvi-lo e sorriam e corriam e pulavam e se alegravam com sua música. Os velhinhos que vinham à praça todos os dias ler o jornal ou jogar seu carteado, também amavam ouvir seu canto. À estes, a música do pássaro trazia doces lembranças. Memórias de uma infância no campo, de um silêncio quebrado pelos ruídos próprios da natureza. E assim o pequeno e frágil pássaro gastava seus dias: feliz a encantar todos.
Mas até mesmo um encantador passarinho tem seus inimigos. Não porque os mereça ou porque tenha feito algo para conquistá-los, apenas porque os inimigos existem e estão rondando por aí, esperando alguém a quem atacar. Também vivia naquela praça um gatinho abandonado. Ele nunca conheceu seus pais, nunca viu seus irmãos, tampouco sabe como foi parar ali. Tudo que sabe é que esta praça é seu mundo e nem todos que por ali passam são seus amigos. Ele precisa lutar para sobreviver. Nada vem de graça. Nem as migalhas dos pães das crianças ou os restos das pipocas dos vovôs. Vez ou outra, algumas solitárias senhoras passam por ali e deixam um punhado de ração no chão para o pobre gatinho. Mas isso, para ele, é uma humilhação: depender de velhas senhoras solitárias! Ele prefere encontrar sua própria comida. Conforme foi crescendo sozinho nas ruas, o gatinho foi aprendendo as manhas e as traquinagens para se safar e garantir ‘o pão nosso de cada dia’. Um dia assustava uma criança para pegar seu lanchinho, outro dia escalava o muro e a janela do vizinho para ter acesso à torta. Certo dia atacou um velhinho para comer a salsicha de seu cachorro quente. Tudo valia a pena para o bichano. Não apenas para satisfazer suas necessidades, mas pelo simples prazer de se sentir melhor e superior aos outros, mais esperto, na verdade.
Há alguns dias o gatinho estava de olho em um passarinho, que insistia em cantar, cantar, cantar e encantar a todos que por ali passavam. Que raio de felicidade era essa? Tinha de dar um jeito de acabar com aquilo. Passou a manhã imaginando um meio eficaz de escalar a árvore e morder seu pescoçinho. Mas não precisou executar seu plano. Uma criança, um lindo menino, de macacãozinho jeans e bonezinho xadrez que mal sabia falar, atraiu a atenção do inocente passarinho, que, inocente aos perigos que o gatuno oferecia, desceu aos ramos das folhagens rasteiras para se exibir à criança, quando em um único golpe, o gatinho acertou sua pescoço, cravou seus dentes na fina pele, e sentiu em sua língua o último suspiro do dócil pássaro.
Imediatamente a criança iniciou um choro sem fim. O gato nem se importou com o humano emocionado. Seguiu com seu troféu entre os dentes, atravessou a rua, e, debaixo do arbusto, longe dos olhares curiosos, saboreou seu almoço, com orgulho, com alegria, com o contentamento que apenas os mais poderosos sentem quando destroem alguém que estava abaixo dele.
Mas o passarinho não estava acima do gato? Não era feliz e encantador? Não vivia voando alegre, contente por alegrar a vida dos humanos? Sim, o pássaro estava acima, em todos os sentidos. Mas mesmo os que nada devem, os que nada tem a temer, os que são bons e ordeiros, um dia chegam ao fim. Todos se vão um dia. Assim como o gato também irá. É só uma questão de tempo. Bons e maus, felizes e amargurados, todos terão seu dia final nesta terra. Uns antes, outros depois, mas todos irão. A felicidade do gatuno durará até o dia que um cão simples e educado, que por natureza, aprendeu a não gostar de gatos, apareça pela praça e resolva que aquele será o último dia do gatinho amargurado.
Qualquer semelhança com a vida dos humanos terá sido mera coincidência.

5.2.09

Deus, os universitários e o menino

Lia Silva
Os meninos de rua estão sempre nos semáforos, pedindo esperançosos: ‘só uma moedinha, tia’. Mas aquele pequenino e magro não vai ao farol. Ele senta na calçada, encolhido, com a camiseta suja esticada sobre as pernas, na esperança de se proteger do frio. Com os olhos fundos, os lábios trêmulos e roxos, ele direcina o olhar triste conjugado às palavras com voz fraca: ‘Dá uma moeda, tia?’. O lugar escolhido é estratégico. Pelo menos metade dos alunos do noturno passam naquele ponto da calçada. São cerca de 5 mil alunos naquele turno. O garoto repete perto de 2.500 vezes a mesma coisa toda noite. Nao sei dizer quantos param para lhe dar atenção. Nunca vi ninguém ajudando-o. Também não sei dizer quantas vezes antes ele já havia pedido minha ajuda. A primeira vez que o percebi, preferi ignorar. Passei reto, rapidamente adiante. Estava frio, eu trazia ambas as mãos no bolso do casaco, onde segurava um bolinho para a hora do intervalo, quando a fome apertava. Depois de haver passado por ele é que me dei conta que ele havia falado comigo. Foi nos meus olhos que ele cravou seu olhar triste, foi para os meus ouvidos que sua voz fraca se dirigiu: ‘dá uma moeda, tia?’ Mas eu ignorei. Do outro lado da calçada senti meu coração apertar. Ouvi a doce voz do Espírito Santo: “O que você fez, Lia? É só uma criança com fome e frio. Volta lá e dá ao menos este bolinho em seu bolso pra ele.’ A minha dura alma não tardou a reagir: “Voltar lá? De jeito nenhum! Imagina que mico: voltar na contramão desta multidão de universitários para falar com um moleque sujo, sentado no chão? Não.” Continuei a caminhar adiante, sempre adiante, resistente aos sentimentos que se instalavam. Que vergonha de mim mesma. Onde foi que eu perdi o amor? Onde está a compaixão? E se Deus tivesse feito o mesmo comigo? Eu sou aquela criança pobre, desprotegida, com frio e fome, dependente do olhar compassivo e misericordioso do Senhor. Ele me olha diariamente, ele provê tudo para mim, dia após dia. Na noite seguinte, o menino está lá novamente e novamente se dirige especificamente a mim, como se quisesse me dar a oportunidade de me redimir: ‘dá uma moeda, tia?’ Parei. Olhei em seus olhos. Coloquei minha mão sobre sua cabeça. A multidão continua passando frenética. ‘- A tia não tem moeda, filho, mas tem um bolinho. Você quer?” “-Sim, obrigado.” E rapidamente, antes que qualque contratempo levasse seu bolinho embora, ele o agarra e esconde em sua camiseta. Eu dou-lhe um sorriso e continuo meu caminho. Satisfeita? Não. Muito mais seria necessário que um bolinho para resolver seu problema. Mas como veterana do Teceiro Setor, eu sabia que as coisas não era tão simples assim. Mas eu já não estava mais indiferente. Ver minha própria condição diante de Deus abriu meu coração novamente. Agora oro para que todo cristão se veja na real situação diante de Deus. Que se reconheça uma criança desamparada e dependente da benevolência divina para viver. Deus não é como os estudantes universitários que passamos adiante, sem perceber quem fica para tras pedindo socorro.
“Então, Jesus lhes responderá: Em verdade vos digo que, sempre que o deixastes de fazer a um destes mais pequeninos, a mim o deixastes de fazer.” Evangelho de Mateus 25:45.